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Crônicas

25/09/2021

A crônica que deu pra fazer

Hoje eu precisei escrever uma crônica. Por acaso, é essa que você está lendo. De antemão, peço desculpas caso ela não venha a contento. Escrevo apenas porque o editor do jornal me lembrou que era o horário limite para enviá-la. Tem todo o processo de finalização da edição e, o principal, envio para gráfica para que letra por letra seja impressa antes desse ato tão simples para você, tê-lo em mãos, deliciando-se entre notícias e opiniões.

Sim. Eu estou enrolando. Esclareço o processo de produção apenas como subterfúgio para protelar. E nem vergonha ou embaraço me causa essa procrastinação. Falo isso de forma tão sincera, que estou quase resignado com a situação, uma das piores para um cronista. A verdade é que eu não tenho ideia sobre o que escrever. Pronto. Essa é a tristeza nisso tudo. O motivo para que ainda não tenha mandado o texto para o jornal. Não é que me falte inspiração. Motivos sobram para jorrar pensamentos e algumas mentiras aqui. O problema é que as palavras não estão juntando-se. Pulam e escorregam na minha cabeça sem demonstrar a menor intenção de darem as mãos para me ajudarem a diminuir a vergonha de ser um escritor sem apresentar seu oficio.

Já passamos, eu e as palavras, muitos desses maus momentos. Sabemos que forçá-las é pior. Cobrar disciplina, ainda mais desastroso. O enfrentamento, nessa relação, nunca foi o caminho da paz, do encontro. Falo isso porque diversas vezes já tentei obrigá-las a parar de besteira, agruparem –se e me deixarem continuar sendo cronista. Mas todo embate foi recebido com desdém, desprezo, lembrança de quem manda. Me mandam colocar-me no meu lugar, e eu assim o faço.

Só que eu não posso simplesmente desistir. Caso eu vire as costas para elas agora, fico sem coluna e sem argumentos para justificar minha irresponsabilidade. Tudo bem. Eu devia ter insistido antes, ontem, talvez. Mas eu conheço minhas chefes e sei que não é o tempo que importa para elas, mas a conexão que preciso mostrar para que entreguem-se às minhas mãos e deixem de pirraça. Preciso ser todo humildade e apresentar a minha total dependência. Sem as palavras, não há crônica. Sem crônica, escritor algum se cria. Nessa via dupla, cada uma há de perceber que sem mim também não existirão. Serão eternamente apenas crianças a brincar uma brincadeira eterna, mas anônima. E elas querem aparecer, dizer a que vieram ao mundo, pegar na mão de outras pessoas. Fazerem sentido lá fora. Vivem em mim, sei como pensam. No velho ditado, conheço os bois que eu lavo. Ou melhor, conheço as palavras que invento.

Você nem percebeu. Mas eu nem precisei escrever para escrever essa crônica. Não foi necessário uma ideia, um motivo, uma inspiração. Eu só precisei de palavras. Mais, eu precisei entrar em um acordo com elas. Não deram as caras como em muitas outras oportunidades, mas também não me deixaram passar vergonha. Fizemos o que podia ser feito. Talvez, sem o brilhantismo de outros momentos, mas atendendo as expectativas, pagando as contas. Como na vida. Há os dias em que se brilha, se ri, se ama. Há outros em que apenas se vive, se respira, faz o que pode. Até que o coração exploda de felicidade outras tantas vezes. E está tudo bem.

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