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Crônicas

23/02/2023

Estamos desvivendo

Contraditório. Antítese. Extremos. 8 ou 80. São muitas as palavras e expressões da língua portuguesa que resumem o lado oposto daquilo que se vê. A claridade avessa ao escuro, o doce que cria o amargo. Dois lugares de um mesmo mundo, com um ponto de convergência que muitas vezes torna-se imperceptível.

Pela brevidade humana no planeta e o desejo de sermos eternos, rotulamos a morte como o contrário à vida a que tanto nos agarramos. Cada passo ao nosso encontro que a morte dá recebemos com aspereza, raiva e, até onde conseguimos, nos esgueiramos e a deixamos falando sozinha, seja em que língua ela precisará treinar o seu silêncio até nos arrebatar.

Não escrevo para contrariar as tentativas de burlar a foice inevitável. Um lado meu realmente compactua com a ideia de que a antítese de viver é, claro, morrer. E deixar aqui apenas as memórias que soubemos criar em quem conviveu conosco. Mas tenho percebido um outro extremo que estamos praticando e, pior, compartilhando sem muito pudor.

Pior que morrer é a teimosia de não viver a vida que nos foi dada. Não aproveitar cada alegria e sofrimento que nos foram reservados, mas preferir viver o amigo, o famoso, até o estranho que, enganando a si mesmo e a nós, expõe momentos de uma realidade que não existe, e acaba por nos afogar na expectativa de lá estar que nunc a alcançaremos, justamente por ser inventada.

Eu não sei se é coisa dos tempos modernos ou se sempre foi assim, apenas com ferramentas diferentes. O fato é que a ‘desvida’ anda nos matando um dia por vez. Uma foto na praia por vez. Um amor perfeito por vez. Um rosto lindo por vez. Um trabalho maravilhoso por vez. Todos experimentados com o gosto da inveja que estraga qualquer paladar, e envenena toda alma. E ainda levam uma curtida nossa que demonstra não o prazer por vermos alguém se divertindo, mas o ódio de não sermos nós.

Nunca fui muito fã do oito ou oitenta. Gosto de circular entre os mundos, por mais discordantes que sejam. Logo, não me entrego ao desviver. A morte eu sei que não conseguirei driblar para sempre. Já a vida que respiro vai ser todos os dias a minha. Falha e fantástica. Nem sempre feliz e de sucesso. Mas curtida ao meu bel-prazer.

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