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Crônicas

23/02/2023

A mulher que ninguém via

Ela chegou de mansinho, quase invisível, desejando que ninguém mais no mundo pudesse vê-la. Nunca gostou de chamar qualquer atenção para si, e agradecia cada alívio sentido quando não notavam sua presença por onde passasse.

Não se considerava feia, mas tampouco bonita. Não via nada de errado nas roupas que vestia, mas também não pensava que fossem dignas de admiração. Trazia um olhar quase apagado, envergonhado, de quem já sai pedindo desculpas sem jamais criar motivo para fazê-lo.

Da onde vinha, tinham ensinado que gente como ela não tinha direito a muitos sonhos, desejos irrealizáveis. Uma coisinha aqui, outra ali. Um serviço que pagasse pouco, mas que fosse garantido. Um amor meio torto para esquentar a cama e, com sorte, uma velhice sem muita dor e pouco esquecimento. Sabia de onde viera, e nem passava pela sua cabeça querer enfrentar outros destinos.

Por isso, entrava muda e saía calada. O espaço era o de menos. Fazia isso do lazer ao trabalho, no ônibus a caminho de ambos. A invisibilidade social era sua segurança. Enquanto não a notassem, não a fariam mal e a deixariam ir. E, ainda mais importante, voltar. Se tivessem dado a chance para ler mais na escola, teria aprendido a palavra neutralidade, que seria sua melhor amiga por toda a vida.

Na ânsia caótica e crônica de passar despercebida, nem notou que colocava em todas as ações do dia algo que anda tão raro por aí. Para escapar de julgamentos e olhares pela aparência, beleza e postura, enchia sua existência de atitude. Era Empenho Futebol Clube, mesmo que jamais tivesse pisado em um estádio e só conhecesse o esporte pelos gritos que o pai praticava todo domingo à tarde em frente à televisão.

De atitude em atitude, foi crescendo, somando degraus em uma escada que não sabia que subia. Quando menos esperava, era mulher forte, de cabeça erguida, sem medo do alheio, embora lá dentro alguma coisa ainda esperneasse para que se mantivesse neutra, quietinha.

Continuou, avançou, fechou olhos e ouvidos para o que vinha de fora. E venceu. Hoje, nada mais a cala. Criou o seu destino, e mostrou a todos que quem manda ali são seus sonhos. Os mesmos que um dia o mundo ousou mandá-la silenciar.

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