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Crônicas
28/02/2023
A Serra da Elina e do Raul
Dona Elina faleceu aos 84 anos. Teve nove filhos, dezenas de netos e ainda arranjou tempo para alguns bisnetos. Nasceu e sobreviveu em Carlos Barbosa, na Serra gaúcha, num interior onde cada filho era necessário para o trabalho muito acima do aceitável para os dias atuais, mas que lá atrás era a realidade de toda família.
Ser humano difícil de encontrar hoje em dia. Doce e forte. Um pilar. Como tantos, deu a alma para que não faltasse muito aos que dependiam dela. Passou fome, dificuldade e, certamente, muitas raivas. Enfrentou o mundo como lhe foi ensinado, e seguiu por ser a única alternativa que conheceu. Apesar de um cenário inimaginável, mas que foi lugar comum na região, dona Elina rezava e agradecia. Os filhos, uma visita que alegrava os domingos, o tempo que passava rápido e trazia nova esperança. Fez o bem e ajudou pessoas, e deixou em pé uma família que dependia de suas orações e da força que jamais falharam.
Seu Raul Randon foi empresário à frente de seu tempo. Empreendeu em Caxias do Sul quando pensar além do destino fadado era coisa de louco, e colheu os frutos da ousadia característica ao longo de uma trajetória de sucessos. Foi como proporcionou sonhos a milhares de famílias que encontraram no grupo de empresas que criou a chance de melhorarem de vida. A preocupação com funcionários, possíveis demissões e condições de trabalho foram diretrizes de Randon, e o seguiram até sua partida, em 2018. Fato comprovado pelas homenagens de centenas de colaboradores à época.
Elina e Raul. Uma anônima, outro que conviveu com os holofotes. Nunca se encontraram. Eram da mesma região, mas de mundos diferentes. A ligação entre ambos é o lugar onde viveram. A Serra de gente de garra, de coração, de caráter. Gente que se ajuda, que gera oportunidade. Onde o parreiral de um produtor de uva cai em função do mau tempo e toda a comunidade ao redor reúne-se para erguê-lo. Por simples solidariedade. Terra com virtudes e problemas, com pessoas boas e muitas desprezíveis. Com preconceitos que precisam acabar, e uma cultura que defende suas raízes. Não muito diferente de qualquer parte de um Brasil plural, mas que se parece mais do que imagina.
O caso da empresa que mantinha 180 pessoas em situação análoga à escravidão, em hipótese alguma, resume ou define este lugar. Aqui somos, em larga e estrondosa maioria, Elinas e Rauls, inclusive os que vêm de fora, como no episódio lamentável de quem torturava safristas. Não gostamos de sofrimento, embora o conhecemos na prática, de outros tempos. Não gostamos de quem o causa. Gostamos de trabalho, e muito. Mas valorizado e devidamente pago, que gere renda e realize sonhos. Os poucos que pensam diferente também nós, a maioria, queremos presos, e sem fiança de R$ 40 mil que libertou o responsável por tamanho absurdo. E ficamos indignados que algumas empresas não fiscalizem a procedência da mão de obra que contrata, o que precisa mudar urgentemente, assim como nos indignam os ataques à Serra por certos interesses. Queremos leis mais rígidas num país onde compensa ser criminoso. Na Serra, nós não gostamos deles. Os queremos punidos. A Serra da Elina e do Raul. Onde o ser humano sempre será prioridade.
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