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Crônicas

30/09/2021

Ficar é escolha diária (pra sempre setembro)

Eu estou sentado na cama do hospital. Não aguento mais ficar deitado, mas não posso levantar e sair caminhando. Minha maior ousadia e única e melhor opção é esperar. Aqui tudo é muito incerto. O destino muda de hora em hora. O dia é arrastado, mas ainda assim muito melhor do que a noite, quando o silêncio do mundo, insuportável, conflita com o desespero gritante dentro da mente.

Eu converso com Deus. Sempre fui muito mais de bater papo do que rezar. Penso que a oração vem de cada um, com as palavras que permeiam nossos sentimentos, atrapalhadas, mas sinceras. Muito mais do que as milenares que nos foram ensinadas, embora faça uso dessas também. Pedir e agradecer nunca é demais.

Aqui, sem fazer ideia de como vão ser as próximas horas, quem dirá se terei futuro, eu só peço uma coisa. Eu quero ficar. Não quero morrer. Não quero me despedir. Não quero ir embora. Eu quero viver, respirar. E repito isso incessantemente. Sei que não serão somente dias de alegria, mas quero todos eles. Com minha Santa em uma mão, uma foto na outra, eu quero ficar. Falo para Deus que Ele sabe que eu não vou a lugar algum. Ainda não. Tento convencê-lo com minhas frases e apelos. Mas não é a palavra que Ele escuta. O que o ganha é o meu coração, e o que eu não consigo esconder. Entre lágrimas e angústias, entende que a morte não tem chance alguma naquele momento. Eu vou ficar, não importa o que acontecer.

Eu sigo sentado, mas estou de joelhos. É o pior momento da minha vida. Nunca me senti tão frágil. Nada depende de mim. Mas também, curiosamente, nunca tive tanta força, e nunca fui tão cuidado. É por isso que a única certeza que tenho é que preciso, e quero, ficar.

As horas passaram. Os dias vieram. Um depois do outro. O ar deixou de ser raro e, mesmo que tenha sido preciso uma cadeira de rodas e alguém para me tirar de lá, a cama em que tanto pedi para Deus para me deixar aqui virou passado, mas jamais esquecimento.

Setembro que passou sustentou a mensagem de que precisamos nos cuidar. Mentalmente nos preocupar conosco e com os outros. Procurar ajuda, nos colocar à disposição, conversar, desabafar, encontrar um tratamento que não é para loucos, mas para todos. Mas, antes de tudo, é preciso querer ficar. Não apenas seguir os dias, mas não querer que eles acabem. A finitude irá nos encontrar. Sabemos que ela fatalmente nos levará. Mas precisamos, mesmo de joelhos, jamais querer dizer tchau. Desejar estar vivo é o maior recado que podemos dar a Ele. Sentir isso. Maior que uma oração, maior que qualquer palavra.

Nos dias bons, e naqueles em que nada mais faz sentido. Nos tombos, tropeços, desilusões, traições, arrependimentos, culpas, lágrimas. Quando perdemos o controle de tudo. Há uma única salvação: querer ficar. Para que Ele nos mostre, ali na frente, que nunca deixou de nos escutar. A nossa hora vai chegar. Até lá, ficar é uma escolha diária. Numa cama de hospital ou em qualquer lugar.

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