Blog

Crônicas

28/03/2022

O tapa que constrange mais do que protege

Seu Valdir Baldasso não era muito de cinema. Preferia um futebolzinho cinco vezes por semana, mais futebol na tevê e os programas esportivos que repercutiam a rodada de domingo. Mas, se ainda fosse vivo, teria aplaudido o Oscar 2022. Não indicados e vencedores, mas o tapa de Will Smith na cara de Chris Rock, depois da piada infame feita com sua esposa.

Seu Baldasso não levava numa boa brincadeiras com a família. Era reativo, impulsivo. Sempre gabou-se de não levar desaforo para casa. Se envolvesse saúde, então, o destino era idêntico ao da mão do ator no rosto do pretenso piadista, com o agravante de fechá-la em tempo, num soco com sérios riscos aos dentes do cidadão. O que meu velho pai nunca soube, porque se foi antes de termos esta conversa, era o constrangimento que causava ao filho em cada violência protagonizada. O mesmo refletido nos olhos assustados da esposa, e que também observei tantas vezes nos meus irmãos. O ataque irascível surgia do nada, e nos deixava sem muita reação, além de torcer para acabar logo.

E não sou injusto reclamando da proteção dele. Uma parte minha até hoje gosta daquilo. Do jeito torto que sabia fazer, deixava claro que nunca faltaria, e que o herói que pintávamos realmente existia. Não importava quem chegasse, se mexesse com a gente, teria sérios problemas. Lembro de um episódio em que, jogando no mesmo time, um adversário me deu uma cotovelada na disputa de bola. Depois de me perguntar se estava bem, e eu já com medo da reação, disse que sim, que não tinha sido nada. Logo no lance seguinte, o carrinho por trás que deu não só levantou o rapaz, mas o içou para cima do alambrado. Entre gritos de “Mas o que é isso, Baldasso”?, meu velho já apontava o dedo na cara do machucado, em pânico, bradando que ninguém mexia com o filho dele.

Eu não sei se foi o mal-estar que tudo isso causava, mas cresci diferente. Até hoje não sei o que é dar um soco ou um tapa em alguém. Me causa desconforto esse tipo de cena, por isso não consigo considerar legal a atitude de um dos maiores atores que já vi. Podem me chamar de sensível demais, falarem que a vida precisa de violência para gerar respeito. Que com família não se mexe. Eu sei de tudo isso, vivi dentro de casa. Mas não assimilo, e não compactuo com tal pensamento.

Will Smith, que muitas vezes riu das mesmas piadas infames com outras pessoas e não reagiu com tapas, podia ter humilhado Chris Rock com palavras, no discurso que fez ao receber o Oscar, completamente ofuscado pela agressão. Teria colocado o infeliz humorista no seu lugar, constrangido a ele e não aos seus e dado o mesmo recado à família: “estou aqui para defender vocês, mas não necessariamente com violência”. Se não, nem pai ou marido eu poderei ser um dia. Exatamente o que aprendi a ser vendo tantas outras atitudes inesquecíveis e carinhosas de seu Valdir.

Crônicas

29/09/2023

A vida não é na velocidade dois

Saiba mais

Crônicas

13/09/2023

Vestígios do que já foram

Saiba mais

Crônicas

13/09/2023

A fúria que varreu a história

Saiba mais